sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Auto da Brca do Inferno, de Gil Vicente


O Auto da Barca do Inferno é uma complexa alegoria dramática de Gil Vicente, representada pela primeira vez em 1517. É a primeira parte da chamada trilogia das Barcas (sendo que a segunda e a terceira são respectivamente o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória).


Estrutura:

O Auto tem uma estrutura definida, não estando dividido em actos ou cenas, por isso para facilitar a sua leitura divide-se o auto em cenas à maneira clássica, de cada vez que entra uma nova personagem. A estrutura é vista pelo percurso cénico de cada personagem, que demonstra as suas acções enquanto "julgado".

Resumo:

Embora o Auto da Barca do Inferno não integre todos os componentes do processo dramático, Gil Vicente consegue tornar o Auto numa peça teatral, dar unidade de acção através de um unico espaço e de duas personagens fixas "diabo e anjo".
A peça inicia-se num porto imaginário, onde se encontram as duas barcas, a Barca do Inferno, cuja tripulação é o Diabo e o seu Companheiro, e a Barca da Glória, tendo como tripulação um Anjo na proa.
Apresentam-se a julgamento as seguintes personagens:

Fidalgo, D. Anrique;
Onzeneiro (homem que vivia de emprestar dinheiro a juros muito elevados, um agiota);
Sapateiro de nome Joanantão, que parece ser abastado, talvez dono de oficina;
Joane, um parvo, tolo, vivia simples e inconscientemente;
Frade cortesão, Frei Babriel, com a sua "dama" Florença;
Brísida Vaz, uma alcoviteira;
Judeu usurário chamado Semifará;
Corregedor e um Procurador, altos funcionários da Justiça;
Enforcado;
quatro Cavaleiros que morreram a combater pela fé.

Cada personagem discute com o Diabo e com o Anjo para qual das barcas entrará. No final, só os Quatro Cavaleiros e o Parvo entram na Barca da Glória (embora este último permaneça toda a ação no cais, numa espécie de Purgatório), todos os outros rumam ao Inferno. O Parvo fica no cais, o que nos transmite a ideia de que era uma pessoa bastante simples e humilde, mas que havia pecado. O principal objectivo pelo qual fica no cais é para animar a cena e ajudar o Anjo a julgar as restantes personagens, é como que uma 2ª voz de Gil Vicente.
A presença ou ausência do Parvo no Purgatório aquando do fim da peça acaba por ser pouco explícita, uma vez que esta acaba com a entrada dos Cavaleiros na barca do Anjo sem que existissem quaisquer outros comentários do Anjo ou do Parvo sobre o seu destino final.





Os Lusíadas


Publicada em 1572, "Os Lusíadas" é a epopeia do povo português. A obra é composta de 10 cantos, repartidos em 1.102 estrofes em oitava-rima (oito versos por estrofe e rima em ABABABCC) e decassílabos heroicos. A epopeia camoniana é dividida em três partes: Introdução (proposição, invocação e dedicatória); Narração e Epílogo, tendo como assunto a viagem de Vasco da Gama às Índias.

Canto V

Resumo do canto:

Ocorre a largada e a viagem pela costa africana, com o relato de várias regiões. Vasco fala de duas coisas importantes que presenciou: a tromba marítima e o fogo de Santelmo.
Aparece o gigante Adamastor, que se apresenta como o cabo das tormentas. Ele diz que é um dos gigantes que enfrentaram Júpiter na batalha pelo Olimpo. Os gigantes foram vencidos e transformados em pedra, mas Adamastor foi para o mar. Ele conta sua história, questiona as intenções dos portugueses e fala sobre seu amor por Tétis e o engano de que fora vitimado. 
Segue a navegação até a chegada à Melinde, onde Vasco conta toda essa história ao rei local. Vasco faz um elogio aos portugueses por causa de sua lealdade e ousadia, inclusive dizendo que os portugueses são superiores aos heróis da antiguidade.
Camões retoma a palavra e observa a boa impressão deixada pela narrativa de Vasco. Faz uma crítica aos portugueses que não valorizam a poesia e o trabalho poético. Para ele, se os heróis portugueses não são conhecidos, é pela falta de alguém que conte suas histórias. Chama a atenção pelo fato de ele ser o primeiro a cantar as glórias de Portugal

Foco narrativo:


O Canto V do poema épico "Os Lusíadas" foi escrito em primeira pessoa:

(17) "Vi, claramente visto, o lume vivo“

Até entrar em cena o gigante Adamastor, o texto é narrativo. Depois, consiste de um diálogo indireto livre;

(41) "E disse - <<Ó gente ousada, mas que quantas."

(49) "Mais ia por diante o monstro horrendo

Dizendo nosso fados, quando, alçado,

Lhe disse eu: - <<Quem és tu? que esse estupendo"

Tempo:

No canto V, o tempo é rigorosamente cronológico. A ação se desenrola de maneira contínua, desde a armada partir de Portugal até chegar a Moçambique

(30) "Mas, logo ao outro dia, seus parceiros,
Todos nus, e da cor escura treva,
Descendo pelos ásperos outeiros,
As peças vem buscar que est'outro leva,
Domésticos já tanto e companheiros,
Se nos mostram, que fazem que se atreva
Fernào Veloso a ir ver da terra o trato
E partir-se com ele pelo mato."

Espaço:

ação se processa nas embarcações da armada, nas ilhas Santiago e São Tomé, costas da África, Cabo da Tormenta e Moçambique. O oceano ocupa uma posição de destaque na narrativa. Seguindo a tradição medieval, Camões não se preocupou muito em descrever minuciosamente o espaço. Ao citar os lugares-comuns partilhados, o poeta ativa os símbolos que constituirão a referência espacial do leitor.

(8) "Passadas tendo já as Canárias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
Entrámos navegando, pelas filhas
Do velho Hespério, Hespéridas chamadas,
Terras por onde novas maravilhas,
Andam vendo já nossas armadas.
Ali tomámos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantimento."

Personagens:

As personagens principais no Canto V são o narrador e o Gigante Adamastor. As demais (marinheiros , um  negro, negros, Fernão Veloso, Coelho, um etíope, etíopes, três reis do Oriente, um rei, pessoas que navegam  em batéis, Fernão Martins, povos de Mombaça) não desempenham importância significativa no episódio do  Gigante, razão pela qual não serão objecto de preocupação. O narrador do episódio, Vasco da Gama, procura descobrir onde está (26), não se intimida diante do gigante  Adamastor questionando-o (49). Roga proteção a Deus (60) e exorta os marinheiros (90/100). (49) "Mais ia por diante o mostro horrendo Dizendo nossos fados, quando, alçado, Lhe disse eu:- <<Quem és tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!>>" O Gigante Adamastor é robusto, de grande estatura, rosto barbudo, olhos  incovados, cabelos crespos boca  negra, dentes amarelos, membros grandes, voz grossa e horrenda (39/40). Revela que foi  aprisionado em virtude de seu amor por Thetis e lamenta seu destino chorando medonhamente (60).

(40) "Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
C'um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo."

Camões coloca lado a lado uma personagem histórica e uma mitológica. Vasco da Gama agiganta-se diante do semideus pelo seu destemor (não foge, questiona-o); Adamastor diminui-se diante do Capitão da esquadra ao reconhecer-se prisioneiro de seu destino. É impossível deixar de notar como o poeta, através do confronto de personagens tão singulares, ressalta o antropocentrismo. Ao homem a tudo é permitido, até mesmo desafiar um semideus. É por isto que já se disse que os "...heróis de Camões raramente parecem de carne; falta-lhes carácter e paixões. São em geral estátuas processionais, solenes e impassíveis. Na resolução desta dificuldade de dar dinâmica e caracteres ao seu poema, o Poeta encontrou a seu favor certas praxes greco-romanas do gênero que lhe forneceram protótipos de uma intriga entre deuses apaixonados."

Linguagem:

Em Camões a língua portuguesa assume  seu perfil nacional. O processo de "desgalização" da língua que vinha ocorrendo no período anterior (1140-1350) se consolidará na época do poeta. Camões maneja com habilidade e harmonia um idioma bem definido, capaz de expressar emoções e pensamentos nobres e elevados. Ao contrário do que defendem certos autores, não foi Camões que fixou o uso da língua portuguesa, mas o padrão culto da mesma tal qual era empregado no século XVI. Isto não retira seu mérito, pois através de sua obra o poeta transformou-se em paradigma indispensável àqueles que pretendem expressar-se através da língua portuguesa. Em Camões, a prosódia submete-se ao império da construção poética . Às vezes, o acento tônico é deslocado para atender aos ditames da versificação. No Canto V a palavra "etiope" aparece duas vezes:-

(32) "Um etiope ousado se arremessa"
(62) "Posto que todos os etiopes erram"

Nos primeiro caso a sílaba tônica recai em "o", na segunda em "i" por necessidade métrica, porque correspondem respectivamente a 4ª e 8ª sílabas de versos sáficos. À época de Camões a ortografia não era uniforme. Assim, não há por que ater-se a este aspecto da obra. A morforlogia camoniana é basicamente a mesma de nossos dias. Entretanto, a
flexão verbal é vassilante. Assim, o poeta emprega o verbo "consumir" no presente do indicativo com a grafia "consume" e não "consome". 

(2) "E o mundo que com o tempo se consume"

Quanto à sintaxe, predomina a inversão:-

(8) "Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nuca visto Promontório,
Que pera o Polo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende."

Em ordem direta esta oitava ficaria mais ou menos assim:-

"Eu sou aquele grande Cabo oculto
A quem vós outros chamais Tormentório
Que nunca fui notório a Ptolomeu, Pompónio,
Estrabo, Plínio e quantos passaram.
Toda a costa Africana aqui acabo,
Neste meu nunca visto Promotório,
Que se estende para o Polo Antártico,
A quem vossa ousadia tanto ofende."

Camões emprega largamente os superlativos ao longo do poema:-

(39) "De disforme e grandíssima estatura"
(40) "De Rodes estranhíssimo Colosso"